Enio Moraes Júnior
Recentemente reli e discuti com os meus alunos de jornalismo e publicidade um texto que acho particularmente intrigante, especialmente nesta época de consumo de Natal em que as TVs, jornais e a internet estão invadidas por propagandistas e celebridades que anunciam e vendem de tudo: de cartões de crédito a detergente, de fixador de dentadura a apartamentos em condomínios luxuosos. E o pagamento? “Só em janeiro, só em janeiro!”.
No texto, sem deixar dúvidas quanto ao seu ceticismo, o influente cientista político Benjamim Barber discorre sobre a nova forma de organização da sociedade contemporânea – a globalização – personificada em um McWorld em que predomina uma cultura de consumo e mercado que uniformiza os indivíduos e na qual a informação e a administração têm amplos poderes.Mas o que chama minha atenção é o conceito de Privatopia. Numa evidente alusão à Utopia de Morus, Barber fala de uma sociedade em que a cultura mercadológica e os meios de comunicação reforçam um estilo de vida em sociedade em que minorias (consumidores) vivem à margem da maioria. Nessas novas ilhas paradisíacas, o consumidor sobrepõe-se, e praticamente aniquila, o não-consumidor.
Para Barber, a ideologia é substituída por uma videologia. Ou seja, o conflito das ‘relações de forças’ é substituído pela ‘força de sedução’ da imagem. A realização dessa vida privatopizada, seduzida pela referência videológica tanto do jornalismo como na publicidade, é constantemente reforçada em todos os canais da TV, na internet e nos jornais o tempo todo, mas a sua forma mais concreta talvez sejam os shoppings centers, especialmente abarrotados nos finais de ano por consumidores vorazes.
Estimulados pelas cores, enfeites e laçarotes natalinos – parte pulsante da videologia – lá vão eles (ou nós?) rechear seus (ou nossos?) privatopos de novidades e arrogância. Com todo esse clima eufórico de consumo, mal nos sobra tempo para lembrar o significado religioso do Natal (também de forte carga ideológica, diga-se de passagem). E aí me vem à mente o bom Frei Betto que, ao comparar a igreja ao shopping center, observa:
Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, adquirem status construindo um shopping center. É curioso: 90% dos shoppings centers têm linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles, não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. Entra-se naqueles claustros, observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo acolitados por belas sacerdotisas ao som da musiquinha do gregoriano pós-moderno. Quem pode comprar a vista, sente-se o reino dos céus. Se tem que fazer pré-datado, pagar a crédito, então sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno: ‘Sou um desgraçado’. Felizmente, terminamos todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, como o mesmo suco e o mesmo sanduíche do McDonald’s (...).
Enfim, meu caro ou minha cara, brindemos aos nossos umbigos e boas compra$!!!
BARBER, Benjamim. Cultura McWorld. IN: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma Outra Comunicação. Rio de Janeiro, Record, 2005.
BETTO, Frei. Crise da Modernidade e Espiritualidade. IN: VERISSIMO, Luiz Fernando (entre outros). O Desfio Ético. Rio de Janeiro, Garamond: 2000.